quinta-feira, 30 de abril de 2009

Só um menino...

Estava sozinha, perdida em meus pensamentos, devaneando sobre acontecimentos hipotéticos, ainda que eu pudesse torná-los reais. Às vezes nos pegamos imaginando diálogos, ensaiando frases, gestos. Tudo muito possível, mas que não temos coragem de tirar do papel.

Estava sozinha, mas ao mesmo tempo rodeada de imagens, ouvindo conversas e gargalhadas. Olho para a rua: o movimento. Carros, motos, pessoas. Algumas olham para mim com um ar de espanto. Talvez seja a maquiagem, resumida em três tons: preto, branco e vermelho. A tinta preta dos olhos, o branco pálido da face e o bom e velho batom vermelho, que fazia um destaque quase reluzente. Ou fosse a roupa. As pessoas não estão acostumadas com preto e marrom as onze horas da manhã. Porém pode ser justamente esse conjunto, preto e marrom no corpo, preto e branco com um detalhe vermelho, no rosto, que fizesse aquele menino insignificante olhar, não com aquele espanto habitual, mas com um espanto diferente.

Era um olhar que me petrificou, um olhar gostoso de sentir, ainda que fosse de um menino. Aquelas sobrancelhas grossas, os cílios fartos e os olhos negros, amendoados, escondidos em um rosto de menino travesso. Passou por mim, como qualquer um dos transeuntes, mas era como se deixasse ali parado, como uma estátua, aqueles olhos de menino que descobriu ser homem, mas estava preso a um corpo que não era dele. Seus olhos eram devoradores, contrastando com sua meninice de andar. Foi então que eu senti nascer em mim, como um despertar de algo que adormecera pela falta de uso, a minha feminilidade. Era preciso que esses olhos intensos de menino passassem por mim, percorressem meu corpo, para que a mulher que há em mim nascesse. Eu descobri em sua meninice a mulher que dormia em mim.

domingo, 26 de abril de 2009

Num Cabaret, a despedida.

- Boa noite rapazes! - grita Anethe ao entrar pelo salão, desfilando com seu cigarro e uma taça de champagne - Vamos viver intensamente esta noite, pois não sabemos se será a última - e beija lentamente um rapaz que estava passando por ela. Todos a olham passar, está completamente bêbada, mas não deixa transparecer e anda com classe, tal qual uma lady. Na verdade ela é, uma lady do Cabaret mais famoso de Paris, a qual todos querem provar.

- Hoje é a noite da despedida, meus amores! - ninguém entende a razão da tal despedida. Todos estranham a expressão 'despedida'. Mas Anethe continua seu discurso, com mais entusiasmo.

- Hoje temos que aproveitar, pois a vida é breve e mal sabemos se amanhã, meu bem, acordaremos vivos para contar essa história. Mal sabemos se não morreremos hoje mesmo, portanto vivam, bebam e possuam quantas mulheres conseguirem dar conta esta noite - e solta uma gargalhada que faz todos se assustarem.

- Esta noite é minha, é a minha despedida! Jean, querido, toque este piano como nunca tocou em sua vida; Marie, trate cada um desses rapazes como se fossem "seus filhos"!

- Claro Anethe, serei a mãe mais atenciosa de todos aqui! - gargalhadas. Então, Anethe segue em direção ao seu quarto, com uma garrafa de champagne e segurando pela gravata o jovem Albert, o escolhido para viver a noite de amor mais intensa de sua vida. Lençóis de cetim vermelho, rendas e cinta-liga, cigarros, taças, beijos, línguas, gemidos de êxtase. Depois a exaustão, o sentimento de satisfação. Anethe vira para Albert e diz, como uma ordem.

- Agora saia. Deixe-me em paz.

- Mas Anethe, querida, eu gostaria de...

- Não gostaria de nada. Saia já do meu quarto! - abriu a porta e jogou suas roupas no corredor. O pobre rapaz não sabia o que fazer. Decidiu esperar até que ela se acalmasse, para então conversarem. Queria aquela mulher, do jeito que fosse, prostituta ou não. Queria tê-la para sempre, e Anethe sabia disso. Mas para ela não existia nenhum "para sempre".

Em seu quarto, Anethe olhava para os lençóis revirados enquanto fumava um cigarro. Olhou pela janela, a lua a olhava também.

- Minha despedida... - estava com um olhar triste. Enquanto no salão as pessoas bebiam e se divertiam como nunca o fizeram antes, Anethe pegava seu punhal e cortava seus pulsos. Mal se via o sangue nos lençóis. Ela estava linda. A lua banhava seu leito de morte; era a única testemunha do suicídio. Albert resolveu ir ao quarto de Anethe. Não estava trancado.

- Oh Anethe, o que fizestes! - chorava o pobre apaixonado sobre o corpo da amada já gelado e rígido. Ela avisara, era sua despedida.